terça-feira, 18 de março de 2014

Um estado de loucura chamado 'desejo de ser mãe'.


Temos visto desde o início da novela Em Família a evolução do, digamos, estado de loucura da Juliana (Vanessa Gerbelli) motivado pelo desejo ardente de ser mãe.
Em entrevista à Ana Maria Braga a atriz fala em um estado de histeria.
Como não entendo de histeria e muito embora não entenda nada de doenças psiquiátricas, creio que o desejo de algo acalentado por muito tempo gere, sim, alguma doença psiquiátrica.

Como a maternidade é algo que ocorre de forma natural à maioria das mulheres, uma personagem como esta parece surreal, parece 'coisa de novela', parece historinha da cabeça do autor, mas posso afirmar que não é.
Vendo a personagem eu sinto pena. Pena não por ela não estar com a criança que ela pensa ser sua filha. Pena pela dor que ela me faz rememorar, reviver. Pena porque, embora eu saiba que é uma novela, uma história, aquela personagem que simboliza e representa muitas mulheres reais sofre. Ela sofre! E eu sei como é este sofrimento.
Desejar ter um filho ano após ano sem conseguir dói. Dói muito e por mais que se tente manter o otimismo, buscar alternativas, chega uma hora que a dor é tanta que a gente enlouquece. Sim! Enlouquece! Tudo passa a girar em torno da maternidade que para 'todo mundo' é algo natural e que para a gente é negado pela natureza.
Atrasos da menstruação por algum tempo são desejados, sonhados e quando ocorrem te levam do delírio à depressão quando, dias depois do atraso, a menstruação desce!
A cada menstruação que desce, desce com ela a esperança, o sonho, a maternidade.
Ela, a Juliana da novela, tem um marido que nunca a apoiou, que nunca deu valor para o sentimento em relação à maternidade, mas mesmo quando se tem marido companheiro isso tudo é muito difícil.

Eu casei desejando ser mãe. Aliás, eu desejava ser mãe desde que me conheço por gente. A lembrança mais remota que tenho disso é aos 8 anos, eu em frente ao espelho vestida com uma camisola larga imaginando como seria quando eu fosse adulta e tivesse barrigão com nenê dentro.
Quando eu me casei nossos planos eram de engravidar no primeiro ano de casados e eu sonhava voltar da lua-de-mel grávida o que, lógico, não aconteceu!
O tempo foi passando, 'todo mundo' à minha volta engravidava, tinha filhos, e comigo nada!
Pessoas que casaram depois de mim tiveram um filho, depois outro, pessoas que nem desejavam ter filhos engravidavam e comigo não acontecia nada!
Chega uma hora que umas pessoas começam a falar que você só fala nisso, que está obcecada. Outras pessoas se afastam.
E elas têm razão: a gente só fala nisso, só pensa nisso, dorme e acorda pensando nisso. E chora! A cada gravidez de alguma conhecida, amiga, vizinha a gente chora! Chora não porque elas ficaram grávidas, mas sim porque a gente não fica! Chora de pena de si mesma. Chora de raiva. Chora de desespero. Chora e até questiona Deus com um: porque para elas é tão fácil e para mim parece impossível?

Eu enlouqueci! Sim...enlouqueci.
Não cheguei ao estágio da Juliana de sonhar em matar alguém para ter o filho comigo, nem fiz nada nunca para tirar filho de ninguém por mais que eu achasse que esse alguém não tinha condições de ser mãe.
Não. Eu não fiquei como ela, mas eu fui muitas vezes à igreja que tinha perto de casa depois que meu marido saiu para trabalhar para ver se tinham deixado algum bebê lá, embaixo de algum banco. Isso porque nesta igreja sempre eram encontrados bebês abandonados na madrugada. Cheguei a ir em dias seguidos, praticamente todos os dias, e no dia que eu não fui deixavam algum bebê. E eu sofria a dor de um aborto quando a notícia chegava. Doía demais 'não ter ido no dia certo'.
Eu sonhava que deixavam um bebê na porta da minha casa. Sonhava que encontrava bebê em caixa na rua. E eu andava atenta procurando bebê porque eu sabia que sempre alguém 'perdia' um bebê numa sacola ou numa caixa média na rua.
E, de repente, 'todas' as lojas do shopping que ficava atrás da minha casa e por onde eu passava para pagar contas e fazer compras eram lojas de roupas e acessórios para bebês, 'todas' as mulheres que andavam na rua estavam grávidas. Eu não só falava o tempo inteiro sobre isso, como só via isso o tempo inteiro, também. Podia ter uma única grávida na multidão e meus olhos a encontravam!
E vou falar: essa é uma dor solitária! Ninguém entende! Aos poucos você sente que está chata, irritadiça, alterada. Sente que a convivência dos outros, das 'pessoas normais' com você é desagradável.
Eu não fiquei como a Juliana porque eu me dei conta que estava doente. Um dia demorei a dormir porque dormir mal passou a ser rotina e quando acordei eu me dei conta que naquele momento eu não tinha a menor condição nem de engravidar, nem de adotar. Eu simplesmente não tinha condições de ter uma criança comigo.
Isso aconteceu porque era dia de pagamento de contas, aluguel e compras, eu ia atravessando por dentro do shopping para chegar ao banco, imobiliária e mercado e, de repente, passa por mim no sentido contrário uma senhora, a qual lembro a fisionomia até hoje, com uma sacola das lojas Americanas portando uma banheira azul. Assim que vi a banheira na sacola tive um negócio. Não sei explicar o que eu senti, mas eu não via mais nada à minha frente, apagou tudo da memória, eu não sabia o que estava fazendo naquele lugar e voltei para casa, fechei a porta, sentei no tapete encostada na porta fechada e chorei. Chorei sem me dar conta de quanto tempo fiquei lá, daquele jeito. Parei quando a campainha tocou e eu vi que já tinha anoitecido. A vizinha da casa de baixo ouviu o choro quando entrou chegando do trabalho e tocou para saber se estava tudo bem.
Esse foi o pico da minha loucura! Como falei, nesta noite dormi mal e no dia seguinte me dei conta que eu não tinha equilíbrio suficiente para gerar e nem de cuidar de uma criança e decidi mudar tudo, voltar a trabalhar, me equilibrar para poder, um dia, ser mãe.

Logo voltei a trabalhar, mas o equilíbrio demorou a chegar. Por muito tempo eu andava, ainda, na rua com a esperança de encontrar uma caixa com um bebê dentro.
Um dia, logo que voltei a trabalhar, uma determinada manhã em que cheguei bem antes do horário determinei que neste dia sairia no meu horário certinho. Eu sempre ficava depois do horário, mas naquele dia eu queira sair no horário certo. Estava, já, arrumando a mesa quando uma colega pediu ajuda e eu atrasei 15 minutos para sair. No caminho para o metrô vejo um tumulto num dos cruzamentos, paro, pergunto para um vendedor de frutas o que tinha acontecido porque eu não vi nenhum vestígio de acidente no local e ele falou: ah, moça, a polícia acabou de sair daqui. Um carro parou aqui tem uma meia hora, se tiver isso, e deixou uma caixa junto com as caixas vazias encostadas no poste. Começamos a ouvir um barulho estranho na caixa e tinha dois bebês, acho que gêmeos, porque eram muito parecidos. A polícia acabou de levar a caixa com as crianças.
E nesse dia eu pirei porque não saí no meu horário.

O trabalho e o tempo ajudaram muito. Eu me curei, me tornei mãe, mas quando vejo esta novela tudo, toda a dor, todos os sentimentos voltam e eu sei que existem milhares de Julianas e de Cláudias por aí.
Não sei o que vai acontecer com ela, a personagem, mas posso dizer que isso tudo passa, basta ter vontade de melhorar para ser a melhor mãe que se puder ser!

11 comentários:

  1. Nossa, Cláudia, que texto visceral!
    Imagino o que você passou e penso que não foi nada fácil. É um sofrimento quw deixa marcas. Mas o tempo passou e provou que nenhuma noite é eterna né?
    Compartilhei, claro!

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    1. Realmente nenhuma noite é eterna, Clau, mesmo quando a dor é solitária. Minha família nem sonha nada disso. Só vão saber se lerem.
      Graças a Deus passou.]
      Obrigada por compartilhar. ;)

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  2. Sua história é linda, de luta, superação, mas acima de tudo, de humildade, por aceitar a forma com a qual a maternidade estava destinada a ti. Mulher guerreira: parabéns e que sua família receba muitas vi rações e energia positiva. Bjs

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    1. Ursula obrigada. Embora eu sempre intuísse que nunca geraria um filho, esta expectativa foi muito difícil, mas graças aos céus, passou.
      Na vida é sempre assim: qdo aceitamos o que ela nos oferece conseguimos ser felizes, ainda que haja sofrimento no caminho.

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  3. Oi minha linda, sou nova aqui =D

    te mandei um email, sobre o post, assim que você ver se poder me responda !

    Beijocas, parabéns pela sua força e coragem =D

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  4. Mana! Sem palavras.
    ...
    Me sinto bem "Juliana". Nunca pensei em prejudicar, matar alguém, ou ter pra mim um filho que já tenha mãe. Mesmo assim, trago, da Juliana, o mesmo desejo forte, a mesma dor, o mesmo desamparo social e familiar.

    Obrigada! Amei seu texto, como sempre.

    Beijos.

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    1. Todas nós que já passamos ou que estamos passando pelo desejo da maternidade nesta circunstância temos um pouco de Juliana, Dé. Eu tive, vc está tendo, todas têm.
      O bom é que isso passa! Tenho em meu coração a certeza de que quando nasce o desejo de ser mãe numa mulher é porque Deus já tem um filho preparado para ela e que, no temo D'Ele, esse filho chega independente da forma.
      Força e fé, mana. No momento certo vc vai encontrar aquele que Deus te preparou para filho nesta vida. Não tenho dúvidas disso.

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    2. Ownnn derreti toda agora. Tomara que você esteja certa e que a hora certa de Deus seja antes da bengala, das fraldas geriátricas e de decidir se e entrego a um dos "alemães", rsrsrs.... Brincadeiras a parte, necessito que seja logo. rs

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    3. Boba! rss
      Sua hora vai chegar, assim como chega a de todo mundo. Tenho fé e acredito. ;)

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  5. Lindo Cláu, emocionante como tantos outros textos seus. Lembro dessa sua história dos bebês. Eu já tive esses sonhos que encontraria um bebê numa caixa na calçada e corri comprar tudo que ele precisava, mas nunca encontrei. Aguardei por 6 anos ele chegar e como não chegou eu aceitei que essa é a vontade de Deus, que eu não nasci para isso e se nasci, um dia Ele manda meu filhote, hoje já não sofro mais, mas já passei por momentos de loucuras. Beijos. Valéria Barretto

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