sábado, 21 de setembro de 2013

Preconceito com preconceito se paga! Será?

Imagem retirada do blog Moda Paralela
Hoje estava fazendo o café da manhã, dando uma espiadinha no Facebook através do celular e me deparo com a seguinte situação: uma pessoa demonstra toda a sua indignação, quando, ao sair da igreja é interpelada sobre se a criança que estava com ela é a criança que 'ela cria'. Esta mãe estava revoltada, com raiva e ao final de seu desabafo escreve 'fala a verdade: dá ou não dá vontade de sentar a mão na cara dessa velha?'.

E aí fiquei pensando, primeiro, na questão de onde ambas estavam:  saindo da igreja! Uma foi sem noção quando interpelou a outra e esta outra, bem mais jovem e com uma filha pequena (imagino!) não foi a vias de fato, mas certamente em pensamento jogou por terra tudo que foi adquirido dentro da igreja, mas este não é o nosso assunto.

Voltemos, então, ao foco deste post que é  preconceito e vamos rever o conceito da palavra criar que tanto revolta alguns pais adotivos.
Até por volta dos anos 80 ou 90 do século passado era comum que famílias criassem crianças que não eram suas, biologicamente falando. Estas crianças eram doadas ou simplesmente iam ficando na casa da família que as criava, muitas vezes até como filhas mesmo, porém elas não eram adotadas legalmente, não eram destituídas de suas famílias de origem, não ganhavam um registro com o nome dos 'pais de criação' e muitas vezes até, embora existisse o sentimento filial e mater/paternal o tratamento era por tio, tia e afilhado (a).
Esse tipo de situação gerou uma cultura: a cultura do pegar para criar. Oras, se formos analisar a fala de pessoas com mais de 60 anos que se referem a filhos adotivos como filhos de criação poderemos dizer que estas pessoas têm preconceito? Pode até ser que sim, que tenham o preconceito sobre criar-se uma criança que não seja do seu sangue, entretanto sou mais levada a pensar que muito mais que o preconceito, reside aí a questão da cultura popular: quem tem uma criança que não gerou, a está criando. Fim. Sou capaz de apostar meu dedo mindinho que a maioria das pessoas idosas (e não velhas como a moça se referiu) são muito mais movidas pela cultura popular do que pelo preconceito.
Quando uma pessoa idosa me pergunta se meus filhos são 'as crianças que eu crio' vejo duas situações que a motivaram a perguntar: 1. curiosidade, caso contrário ela não perguntaria; 2. cultura popular e falta de vocabulário por falta de conhecimento do que seja adoção e dos sentimentos que a envolvem.
Uma pessoa que é preconceituosa vai falar que você é louca, que criar 'filho duzotro' é loucura, que você só vai saber o que é ser mãe quando tiver seus próprios filhos, que filho adotivo é ingrato, que pode matar a família inteira e tantas outras coisas mais. Isso é preconceito escancarado e é, também, falta de pensar um pouco porque tudo isso que a pessoa atribui a filhos adotivos os biológicos também fazem.
Essas pessoas, por incrível que pareça, têm menos de 60 anos. Beeem menos, diga-se de passagem. Não estou dizendo com isso que não existam idosos preconceituosos. Todos somos preconceituosos em maior ou menor grau em algum assunto. O que nos diferencia é a forma como lidamos com nossos preconceitos!
Uma pessoa que pergunta se a criança que está com você é a que você cria está apenas curiosa para saber se aquele é seu filho, o que você adotou, o que você não gerou. Ela apenas não sabe utilizar a expressão seu filho porque o que ela conhece de adoção é o que se chamava, antigamente, de agregados, onde o filho adotivo era filho só no sentimento. Está muito mais movida pelo conceito popular do que pelo preconceito!

Isso posto, ainda que haja preconceito de quem interpela nos moldes que esta moça foi interpelada, penso que não é possível se combater o preconceito com agressão. Nós, pais adotivos, precisamos ser agentes modificadores em nosso meio junto aos que nos cercam e que não tenham familiaridade com o que seja a adoção de verdade, e só podemos combater o preconceito com informação, com respostas sutis porém firmes, com orientação. Não vejo como uma pessoa possa refletir sobre o que é adoção e sobre o que é um filho adotivo - que é um filho apenas, como qualquer outro - se esta pessoa receber uma agressão pela sua curiosidade ou se ela for, simplesmente, ignorada.
Ainda que a pessoa seja movida por uma união de curiosidade e preconceito você só conseguirá fazê-la refletir se levar até ela informação. Uma pessoa que faz uma pergunta destas talvez nunca tenha ouvido de uma mãe adotiva um: 'sim, é a criança que eu crio porque ela é minha filha. Todos os pais criam os seus filhos'.

O problema maior que vejo não é o preconceito contra o adotado, contra a mãe ou contra a adoção. O problema maior que vejo é o preconceito contra palavras! A frase 'essa é a criança que você cria' causa revolta em muitos pais adotivos. Li hoje no desabafo da moça um senhor (ou um jovem, não sei!) responder que ele cria cachorros e gatos, filhos não! Oras, então quem cria os filhos dele?
Pelamor, nós temos que pensar um pouco! Todos nós criamos nossos filhos, SIM. As mães biológicas deles não os criaram porque, por algum motivo, eles estão com a gente e nós somos os pais!
Mais uma vez eu repito que o 'cria' no sentido de 'ser de criação' faz parte da cultura popular antiga e não propriamente de algum preconceito!
Na maioria das vezes o medo de sofrer preconceito faz com que as pessoas sequer analisem situações. Elas próprias têm preconceito contra algumas palavras e se ofendem profundamente, sentindo desejo de devolver o possível preconceito do outro com agressão.
Daí eu concluo que o problema do preconceito, em alguns casos, não é exatamente de preconceito propriamente dito, mas sim de pobreza no léxico gramatical e da atribuição de um único conceito a determinadas palavras.
Vamos analisar o que é perguntado, vamos ver a idade de quem pergunta e o tom que ela usa. Vamos ser transformadores do nosso meio levando informação. O trabalho de acabar com o preconceito é um trabalho de formiguinha: você dá um esclarecimento aqui e ali, você fala com naturalidade da sua família e de como você se tornou mãe/pai e as pessoas começam a pensar no assunto. Pode ser até que esta mesma pessoa se interesse tanto pelo assunto que venha de novo conversar com você, venha querer saber mais e ela não merece ser tratada com agressão apenas porque não sabe usar as palavras certas!

Nesta questão do preconceito específico de filhos adotivos tem uma outra questão: geralmente somos interpelados quando a criança está junto. Enquanto ela é bebê, tudo bem, a gente faz cara de paisagem, finge que não entendeu. Acontece que criança cresce. E cresce rápido! Para a criança ficará registrado se adoção é algo bom ou ruim de acordo com a forma como os pais lidam com este tipo de situação. Se a mãe aceita uma simples pergunta, ainda que uma pergunta feita de forma grosseira, como uma agressão e como um preconceito a criança que está com ela vai entender que o mundo é cruel e que ela será uma vítima a vida inteira por ser adotada.
Eu não estou dizendo que a forma como as pessoas falam não dê raiva. Dá! Dá sim porque eu já senti raiva muitas vezes, entretanto não é o sentimento que nos causa que é o fator essencial e sim a forma como lidamos com ele. Eu senti raiva muitas vezes, mas falei com naturalidade sobre meus filhos, sobre adoção, sobre o amor que nos une e meus filhos nunca se sentiram vítimas de preconceito quando foram (e ainda são!) interpelados.

É isso que eu quero dizer: as coisas têm o valor que damos a elas! Se dermos valor maior ao esclarecimento e à naturalidade da relação que temos com nossos filhos é isso que vai ficar registrado na alma deles. É isso que ficará registrado na alma de quem interpelou. É isso que fará a pequena modificação ao nosso redor.

Quer ver uma bela reflexão sobre o preconceito de modo geral? Então visite Moda Paralela e veja o texto que a Fernanda Klink escreveu.

Cláudia