quinta-feira, 25 de abril de 2013

"Vocês não vão me separar da minha mãe biológica! Eu tenho uma mãe!"



Estas são palavras de Aisha no capítulo de ontem de Salve Jorge, pronunciadas aos berros para a mãe que não quis devolver o colar que havia dado à filha no seu aniversário de 15 anos e que fora doado pela moça à sua provável mãe biológica.

Pois bem, mais uma vez a rede Globo de televisão presta um enorme desserviço à causa da adoção! Já tão conhecida e chacotada pelas gafes e erros, a novela vem criando uma sucessão de 'enganos' na questão da adoção.

Pontos a serem avaliados:

1. Donelô é uma policial experiente, está investigando e está no encalço de uma quadrilha de tráfico de pessoas, tem olhos e todas as desconfianças do mundo em cima de Adalgisa-Marta-Wanda e sabe-se lá mais quais nomes a pessoa possui, encontra uma certidão de nascimento de Aisha com um destes nomes, ela sabe que a mulher é uma bandida que vive de golpes e de tráfico humano e mesmo assim ela apresenta ao Mustafá esta pessoa como MÃE de Aisha sem sequer requerer um exame de DNA?

2. Aisha, por sua vez, vinha fazendo tudo direitinho: encontrava possíveis irmãos, ia atrás e fazia exames de DNA, mas de repente deu um apagão na menina e ela acreditou que uma bandida a qual ela foi tirar da delegacia sob fiança, bandida a qual ela reconheceu com um nome e que Donelô lhe passou outro nome, e que descobriu depois que tinha outro nome fosse sua mãe. Não pediu DNA e foi logo se entregando de corpo, alma e coração, apaixonadamente, dando dinheiro, jóias e defendendo a criatura com unhas e dentes.

Cadê coerência?
Ah, sim, dona Glória Perez, escritora a quem eu sempre respeitei muito, acusa os telespectadores de não terem a capacidade de voar.
Queridinha, com todo respeito, tenho dito aqui em casa que para voar com estes fatos só usando substâncias alucinógenas.

Agora vamos à questão prática:

Sem DNA a menina se entrega a uma possível mãe e se volta contra a família que foi sua ÚNICA referência de vida até então!
A mãe biológica passou a ter mais valor que os pais juntos só pelo fato de ter o mesmo sangue?

Até agora antes do surgimento desta 'mãe' era compreensível a busca da moça por sua origem. Isso é real, muitos filhos adotivos sentem esse desejo e essa necessidade de encontrarem sua origem, descobrirem com quem se parecem, acalentam o desejo de perguntar àquela criatura que as pariu 'por quê', mas daí a estes filhos trocarem a família por uma mãe biológica que é uma desconhecida é algo que não dá para engolir.
Com esta abordagem a emissora e a novelista estão ratificando que sangue vale mais, que fala mais alto e que não existe relações construídas que possam aplacar essa ligação.
Eu já vi diversos depoimentos de filhos adotivos que foram atrás de sua origem biológica e todos foram unânimes em dizer que o sentimento pela família adotiva não mudou. Que a mãe biológica, irmãos biológicos eram desconhecidos. Alguns criaram laços de amizade, outros se afastaram depois que mataram a curiosidade  satisfizeram sua necessidade de conhecer a origem.

Esta cena de ontem, mais uma vez, prestou desserviço à causa da adoção e, não tenho dúvida alguma, implantou o terror e a insegurança nos corações de muitas mães adotivas.
Eu lido bem com o fato de que um dia um de meus filhos possam vir a desejar buscar suas origens. Eu trabalho com essa possibilidade desde que a minha primeira filha nasceu e eu não terei problema algum em ir buscar essa origem com eles se assim desejarem porque eu tenho certeza absoluta que nossa relação construída nunca vai superar 9 meses de gestação e um parto, porém eu tenho consciência que 'sou uma na multidão'. A maioria das mães adotivas que conheço têm, sim, pavor de pensar nesta possibilidade, sentem insegurança, ciúmes e medo de pensar que o filho possa desejar conhecer e que possa trocá-la pela outra que o pariu. Eu lido bem com a possibilidade de eles um dia desejarem, mas sinto ciúmes de pensar no encontro deles. É meio estranho pensar no teu filho tão amado diante de 'outra mãe' ainda que ele não crie vínculos.
É normal esse sentimento. A gente ama tanto e tem tanto medo de tantas coisas, aí vem uma novela e coloca uma menina que antes era tão centrada e coerente berrando com a mãe que ela tem uma mãe, mãe esta que é bandida e que  a está extorquindo.
Qual a possibilidade de se assistir cena assim e não ficar aterrorizada?

Infelizmente há um descompromisso total com a realidade. A autora, conhecida como alguém que pesquisa e estuda seus temas polêmicos por anos não pediu ajuda ao ANGAAD para receber esclarecimentos sobre determinados pontos que já foram colocados, e penso que pela cena de ontem sequer entrevistou filhos adotivos que tiveram o encontro com suas famílias biológicas para tentar compreender como funciona esse sentimento dentro deles.
Definitivamente não acredito que alguém supervalorize tanto sua origem biológica em detrimento da família que foi seu porto seguro, seu esteio, seu suporte por anos.
Se houver um filho adotivo que agiu como a Aisha neste mundo, por favor se manifeste! Eu gostaria de saber! Conforme falei, até hoje não vi nenhum caso assim!